Recentemente adquiri um livro, através do Ronaldo, da banca de antiguidades, chamado
Ventos do Mar. É de autoria da Dra. Maria Lucia Caira Gitahy, publicado pela Editora Unesp e Prefeitura Municipal de Santos em 1992, trata sobre os trabalhadores do Porto de Santos, Movimento Operário e Cultura Urbana em Santos, entre o final do século XIX e início do século XX. O livro é resultado de mais de dez anos de pesquisa da autora.
Chamou-me a atenção, entre vários temas, a campanha para a abolição da escravatura na cidade de Santos, e até a lei criada um ano antes da
Lei Áurea.
O caso das Senhoras de Santos que impediram o desembarque de um delegado vindo de São Paulo, acompanhado de força policial para prender os escravos fugitivos que chegavam em grande número á cidade, trazendo a família para trabalhar no Porto, e que se concentravam no Jabaquara, que era considerado pelas autoridades provinciais como "escândalo subversivo".
REPÚBLICATambém as campanhas republicanas na cidade de Santos que provocaram reações negativas do Governo Imperial, indiferente à grave epidemia de febre amarela na cidade, que vitimou milhares de santistas.
Os dois assuntos foram tratados no livro, e aqui um trecho, à título de informação, e que podem ser aprofundados com a leitura do livro, em bibliotecas, e é difícil, porém possível, encontrar um exemplar do livro à venda em algum sebo.
Leia:
TEMPOS DE DEFINIÇÃO: OS ANOS 1880 E 1890
Na conjuntura conturbada dos últimos anos do Império, a cidade foi tomada pelas campanhas republicana e abolicionista, especialmente por esta última. A partir de 1870, após o término da Guerra do Paraguai, o movimento iniciou-se em Santos, acompanhando o conjunto do Estado, mas só durante os anos 1880 é que se ampliou, atingindo toda a população. De fato, os primeiros escravos a serem libertados foram os próprios trabalhadores do Porto. De acordo com José Maria dos Santos, havia em Santos um considerável número de escravos alugados como estivadores, trabalhadores em armazéns e carregadores de café. Após as manumissões, a quantia habitualmente paga aos donos como aluguel passou a ser paga aos próprios ex-escravos como salário. O número de escravos caiu rapidamente e a cidade tornou-se ponto de atração para jovens escravos ousados o suficiente para fugir e, enfrentando os precipícios escorregadios da Serra do Mar, atingir Santos e vir trabalhar no Porto.
Mas, foi só durante a década de 1880 que a campanha abolicionista ampliou-se atingindo toda a população da cidade. Das "damas" santistas que escondiam negros fugidos em seus quintais, pilares que eram das "ilustres" famílias da cidade, até os carroceiros portugueses ao lado dos quais começam a encontrar ocupação remunerada os libertos à força do famoso quilombo do Jabaquara ou do de Vila Mathias, passando pelos jornais locais, a "mocidade entusiasta", comerciantes, empregados da ferrovia, marinheiros, médicos, professores, funcionários e nos últimos anos até mesmo a polícia e a administração local aderiram ao movimento. Criou-se uma imprensa abolicionista, fizeram-se comícios e espetáculos; nas reuniões clandestinas organizavam-se operações de resgate de escravos ou de refúgio dos mesmos. Santos tornou-se território livre dos abolicionistas. A 27 de fevereiro de 1866, uma lei municipal aboliu a escravatura na área sob sua responsabilidade. Uma sociedade, destinada a "efetivar" a lei, terminou com os últimos escravos do município no mês seguinte.
É importante notar que a campanha ultrapassou o restrito círculo das "pessoas educadas" e ganhou as ruas. Tanto assim que ocorreram ações populares como, por exemplo, o resgate de dez negros, que haviam chegado a Santos dentro de pipas de vinho (com a conivência dos funcionários da ferrovia) e ficaram escondidos na casa de Geraldo Lemos, um despachante da alfândega: "dois capitães-do-mato, acompanhados de numerosa força policial autorizada até a violência pelo chefe de polícia de São Paulo", conseguiram capturá-los. A fuga foi planejada pelos abolicionistas:
Quando a carroça chegou às proximidades da Estação da Estrada de Ferro, já cerca de 500 populares aguardavam a sua passagem. Surgiu então um motim popular e o cidadão Fontes, distinto santista e excelente capoeira repentinamente derrubou em rasteiras os soldados de captura, enquanto o povo entre brados confundia-se com eles e Geraldo Leite saltava para (...) carroça tocando (...) para junto da água, onde uma embarcação (...) recebia os negros, carregando-os a força de remos para um dos navios franceses (...) que dias depois levava-os.
Quando a campanha atingiu seu pico, os escravos fugitivos que continuavam chegando a Santos em número cada vez maior, tornaram-se um problema. Já não se tratava mais de recolher subscrições ou de conseguir um emprego no cais, agora que mulheres e crianças começavam a chegar também. Foi assim que surgiu o já mencionado refúgio do Jabaquara.
... construiram-se madeira, de palha, de taipa e de folhas de zinco numerosas barracas e habitações ligeiras de todo gênero. Abriram-se caminhos, criou-se um pequeno comércio de varejo e, como por encanto, surgiu da noite para o dia a mais desconchavada e pitoresca das cidades, toda cercada de roças, com o azulado fumaçar dos fornos de carvão vegetal a cobri-la perenemente.
O Jabaquara foi considerado um "escândalo subversivo" pelas autoridades provinciais. Um trem trouxe de São Paulo, um delegado acompanhado por força numerosa. No entanto, as senhoras de Santos cercaram o trem tão logo este parou na estação, impedindo qualquer pessoa de desembarcar. O delegado, surpreso e embaraçado, tentou sem sucesso negociar. Os trabalhadores da ferrovia, por sua vez, engataram uma locomotiva do lado oposto do trem e enviaram-no de volta à São Paulo. Esta teria sido a última tentativa oficial de acabar com o abolicionismo em Santos.
Com respeito à campanha republicana, o historiador José Maria Bello aponta que a mais radical era a liderada por Silva Jardim, republicano máximo da cidade, que advogava "a ação revolucionária na imprensa e nas ruas". Embora muito popular em Santos, "o mais apaixonado dos republicanos não conseguiu ser eleito" para a Assembleia Constituinte. O fato não chega a surpreender. Silva Jardim concorreu na capital da República onde também militava. Em 1890, só 5,5% da população do Rio de Janeiro votava. As multidões, que aplaudiam nas ruas o ardente tribuno, não podiam votar. Além disso, a própria direção do seu partido o temia. Desiludido com a República, viajou à Europa, onde morreu, perdido entre as lavas do Vesúvio.
Em Santos, durante a campanha republicana, mesmo a tradicional rivalidade entre os bairros do Valongo e dos Quartéis terminou. O mesmo ano viu a epidemia de febre amarela, que coincidiu com o revolvimento do lodo junto ao antigo Porto do Bispo, que teve lugar com as obras do cais. A epidemia durou de março a maio, ceifando mais de 700 vidas.
A população diminuía porque os mais abastados emigravam e os que ficavam iam sendo vitimados. Santos ficou deserta (...) nas ruas, de espaço a espaço ardiam barricas de alcatrão (...) desprendendo colunas de fumo negro.
A indiferença do Governo Imperial com a situação da cidade republicana foi um dos fatores apontados por Francisco Martins dos Santos par a radicalização da campanha na cidade. Enquanto o Governo Provincial não fez mais do que enviar um conto de réis como donativo, devolvido com indignação pela Câmara Municipal, os membros do Partido Republicano santista organizava o combate à peste com os recursos da própria cidade. De acordo com o depoimento de uma testemunha:
Vieram do Rio algumas irmãs de caridade, que se internaram numa dependência do Convento do Carmo e no Mosteiro de São Bento, transformado em hospital. O teatro Rink era hospital; a Benificência Portuguesa abriu suas portas às vítimas da febre amarela; as redações dos jornais transformaram-se em postos de informações e mesmo em postos médicos, para acudir a qualquer chamado.
A atitude solidária do jornal A Província de São Paulo, na ocasião, veio, mais tarde, a cindir o Partido Republicano santista entre a candidatura de Júlio de Mesquita e a oficial do partido, de Bernardino de Campos. Estas duas facções, depois da Proclamação da República, agrupadas respectivamente no Centro Republicano e Clube Nacional, marcaram a política local.
Este é um trecho do livro que também trata do movimento operário no porto de Santos, com muitas informações históricas.
Sobre o texto acima, vale mencionar:
- A Estação da Estrada de Ferro refere-se à Estação da São Paulo Railway, no Valongo, que fica bem próximo ao porto. A São Paulo Railway transformou-sem em Estrada de Ferro Santos Jundiaí. Atualmente, apesar do prédio da estação estar preservado, não há mais o uso como estação ferroviária.
- O Quilombo do Jabaquara existiu entre 1881 e 1898, no atual bairro do Jabaquara em Santos, na região atrás da atual Santa Casa de Santos se estendendo até próximo ao Túnel Rubens Ferreira Martins.
- A Província de São Paulo era o nome do atual jornal O Estado de São Paulo, o estadão.